7 de dezembro de 2004

um pedra cheia de querer

Engracei com uma pedra. Não pela cor, nem pela forma, mas por estar ali no meio do meu andar.

Olhei-a, em conversa (daquelas conversas que temos com todas as coisas que nos entram no olhar e ali ficam a provocar-nos, seja pedra, rio, nuvem, quadro, flor ou coisas outras), mas ela mandou-me seguir caminho.

O meu parar incomodava-a “ Sai! Sai da frente! Sai! Não ouves?” Repetiu-se em soluços simpáticos mas insistentes.

Fiquei intrigado, porque não a imaginava com olhar. Pedra que é pedra, não tem frente nem costas quanto mais “olhar”.

Fui. Na volta tornei a vê-la e parei-me provocador, mas não me disse nada.

Sonhei”, pensei “ lá estás tu com as tuas histórias”, disse-me. Fui com toda a intenção de ir, mas fui interrompido por um sussurro, “Espera! Fica aqui comigo! Preciso de ti!”. “Para quê? Porquê?”,Cansei-me de ser pedra! De manhã quando passaste por mim, estava a olhar para aquela papoila, aquela que ali está, a olhar para mim. Quero que me transformes em papoila!”, “Mas tu nunca serás uma papoila! Serás sempre uma pedra!”,Tu também já foste menino e agora és homem, porque razão não posso ser papoila?”



Agarrei nela e esculpi-a, papoila…



O sol encarregou-se de lhe dar cor…

10 comentários:

fernanda dias disse...

Quem me dera ser pedra no caminho de um escultor…
Ou tela, no caminho de um pintor…
Ou madeira nas mãos de um carpinteiro hábil e engenhoso, que me desse forma.
Não interessa a forma.
Apenas a transformação.
Beijo para ti, que transformas pedras cansadas em papoilas eternas, com afago do sol.
E quando ela se fartar de ser papoila?

fernanda dias disse...

Esqueci-me de dizer que este foi dos textos (sentires) teus que mais gostei. Bom feriado again. Somitico...

Fátima Santos disse...

Quando apanho com estes textos teus assim diante eles quase sempre me são(acaso?!)momento! e hoje este transformar, Almaro...ai hoje! foi este de fazer de pedra flor e do desejo dela e do escultor...um mais que sonho um de nascer, de vida! que mais é ela que saber de pedra no caminho ademais de a saber ouvir como pedra que é, tal qual, saber que pode ser flor e ajudá-la a ser?!
Beijinho e o meu muito obrigada!

Fátima Santos disse...

Quando apanho com estes textos teus assim diante eles quase sempre me são(acaso?!)momento! e hoje este transformar, Almaro...ai hoje! foi este de fazer de pedra flor e do desejo dela e do escultor...um mais que sonho um de nascer, de vida! que mais é ela que saber de pedra no caminho ademais de a saber ouvir como pedra que é, tal qual, saber que pode ser flor e ajudá-la a ser?!
Beijinho e o meu muito obrigada!

blimunda disse...

por detrás da sombra
da pedra
por baixo da sombra
da pedra
por baixo por detrás
do silêncio
da pedra
o silêncio da pedra

antónio ramos rosa, respirar a sombra viva

respirar a sombra viva ! fantástico, não ? engraçar com uma pedra ? claro... quantas vezes o seu silêncio e a sua sombra nos gritam? transmutações da memória... maria papoila...

Anónimo disse...

menino-papoila?
homem-pedra??
cansado de ser homem???
não te canses de ser poeta!!
aquele abraço
nani

BlueShell disse...

E havia uma concha. atrevida e descarada...que um dia percebeu que o seu lugar era nas profundezas do mar, de onde nunca devia ter saído...

Do tamanho que quiseres, é um beijo para ti,...CONCHA AZUL

lique disse...

Ja tinha saudades de te ler. Mas há alturas em que não dá mesmo. Pleno de sonho e irreverência (fazer de uma pedra papoila?) o teu texto. Pleno de ti, acho eu. Beijos

BlueShell disse...

A maior parte das pessoas não compreende a diferença entre SER triste e ESTAR triste!...

musalia disse...

às vezes apetecia-me ser pedra, sem olhar, sem falar, sem pensar...apenas permanecer...

beijinho, Almaro