29 de agosto de 2003

Entre a sombra e o traço

Dei comigo a desenhar uma rosa.

Não lhe consegui imaginar vaso nem cor.

No desenho cresceu um rosto que envolveu a flor e desfez-se em perfume.

A imagem do desenho não era minha. Em mim apenas ficou a emoção de me espantar com a viagem que aquela rosa percorreu até se transformar em desenho.

Olhei o rosto entre a sombra e o traço que o escondia…

Agarrei no pincel e envolvi-o em sons de guitarra que chora e se espanta com os ritmos da Vida e dei lhe cor de aguarela.

Na verdade nem o desenho nem as palavras são meus.

Meu é só o calor que ficou entre a cor e os sons de uma melodia que ecoou sem convite.

28 de agosto de 2003

Grito

Hoje as palavras ficaram engasgadas em forma de grito.

Perderam o sentido e andam por aí envergonhadas de Dor, como que sepultadas em lágrima retida…

26 de agosto de 2003

Passeio descalço pelo Tempo

Andei por aí, fora da escrita e do poema.

Misturei-me no Tempo que se consome e respira.

Ausentei-me dos sons e da imagem.

Vivi os passos descalço, assim tal qual, sem pinceladas de sonho.

22 de agosto de 2003

O quadro sem cor

Hoje dei comigo a pintar quadro sem cor.Prefiro o desenho. As cores estão demasiado escuras e densas para que o quadro tome forma de música.

21 de agosto de 2003

Às escondidas

A solidão é um estado de insatisfação, um isolamento do sentir.

É a angústia de não se saber viver o presente.

Os sons da vida estão aí mas nas não os entendemos.

Absorvemos toda a luz no Eu que se recusa ver o Amanhã.

É um processo doloroso que nos auto retira a esperança de pintarmos as nossas cores.

O mundo está aí e só vemos o sonho e a ilusão que nos corrói.

Quando isto nos acontece, e nos apercebemos que andamos a jogar ás escondidas no nosso próprio caminho, só nos resta sorrir e assim, o hoje é já amanhã!

20 de agosto de 2003

A Humanidade está lá fora a matar o Filho que se fez Homem

Morreu um homem chamado Sérgio que se passeava pela Humanidade.

Não sei qual a diferença entre a morte deste homem e uma morte de qualquer outro, seja ele criança faminta, desesperado sem liberdade ou de outra qualquer condição ou sem condição alguma.Este chamava-se Sérgio, era de todos nós, e passeava-se pela Humanidade.

Não sei o que leva outro homem a matar por ódio, vingança, desespero ou outro tipo qualquer de sentimento.

Este, que se chamava Sérgio dedicava-se aos outros homens.

Não foi o primeiro nem será o último e esta certeza, amargura-me e silencia-me na revolta contida, com grito sem som.

Ninguém ouve o grito de desespero que me vai na alma, porque cada um grita também a lágrima cinzenta de quem chora a Humanidade.

Não foi o Sérgio, de árvore Vieira de Melo, que morreu.

Foi o verbo Dar que ficou encolhido, qual coelho na sua toca à espera que o caçador deixe de fazer ruído e se afaste.

A Humanidade está lá fora. Chora!Cada lágrima é uma Vida que se extingue na incompreensão de se ser Homem.

A Humanidade está lá fora de olhos postos no vazio.

O filho que se fez Homem morreu.

Todos os dias, morre o filho que se fez Homem.

A Humanidade está lá fora a matar o Filho que se fez Homem.

Choro a revolta de fazer número para a Humanidade.

Eu estou lá fora, enroscado na tristeza de sentir dentro de mim todas as lágrimas dos que fogem da Humanidade.

Estejas onde estiveres, Sérgio, de nome Vieira de Melo, recebe o meu abraço, e enxuga as minhas lágrimas.

19 de agosto de 2003

Para ti que estás triste

Estou perdido no meio da Tua e da minha tristeza.

Perdido nos fantasmas que te ensurdecem a alma e a solidão.

Procuro o gesto que te angustia o sentimento de olhares o vazio e não te encontrares se não no refugio das palavras que escondem o contorno da Alma.

Gostava de te pintar as cores do reflexo, em tons de alegria, mas só consigo ouvir o vento. Talvez amanhã, sim talvez amanhã consiga pintar-te uma gaivota colorida em tons de arco-íris e poder dizer-te que para reencontrares o sorriso, basta olhar o poema da Vida que corre ao nosso lado e que insistimos em não ver, por só conseguirmos sentir a dor que o coração vai tecendo, em teia que nos cega o olhar.

Mas hoje não.

Hoje sinto-me tambem eu preso nos caminhos que não consigo olhar se não com o coração.



18 de agosto de 2003

Tempestade

Hoje vi a morte, numa tempestade de reflexos.

O que nos separa da Vida e da Morte é uma ínfima fracção de destino a que só damos valor no momento em que o turbilhão da existência nos foge do olhar.

Renascemos todos os dias a cada fracção que o destino nos concede.

Somos um ponto de um caminho que julgamos dirigir, mas que se constrói em Jogo de dados. Hoje, desenho palavras porque os dados olharam para mim e eu sinto-me impotente e esmagado pela incerteza do Existir.

13 de agosto de 2003

A fuga do espelho

Quando nada te toca e te sentes somente Tempo, algo morreu.

Perdeu-se o sentido e a luz andou por aí à procura de espelho.

O espelho fugiu.

Talvez amanhã me reencontre, mas o tempo levou a admiração do Existir.

12 de agosto de 2003

Uma palavra cheia de Universo

Sento-me a ouvir o silêncio e os sons do sonho.

Os ventos dos moinhos continuam a trazer-me perguntas que me angustiam e me deixam o olhar vazio.

- Porque usas sempre as mesmas palavras?

Há décadas que te embrulhas pelos sentidos e te repetes em quimeras.

Será que não crescestes ou as palavras que desenhavas, eras tu que te ouvias no Hoje?

O lápis parou o desenho, e a palavra ficou ali a pairar cheia de Universo.

11 de agosto de 2003

O Eco

Sentado na praia, inspiro todo o Mar que o olhar, sôfrego, engole.

O Mar que me coube em sorte, anda de um lado para o outro dentro de mim, com sons infinitos.

Todo o Mar que inspirei, transforma-se em ecos e em perguntas sem resposta.

- Quem és tu? Pergunta-me o eco.

- Jeremias. Jeremias Almaro.

- Que fazes na praia a inspirar-me com o olhar?

- Sou poeta-pintor, nas horas em que Me vivo!

O eco apagou-se, o Mar fugiu e voltou a ser imagem em azuis de outra cor.

9 de agosto de 2003

Todas as palavras rimam

Todas as palavras rimam, porque traduzem sentimento. Traduzem o desenho da nossa alma. E o desenho, tenha ele cor ou não é na sua essência um Poema de vida.

8 de agosto de 2003

Dúvida

Diz-me, Papá, porque é que Deus se esquece de Nós?

Porque dizes isso?

Porque o Luís morreu, sabes quem é o Luís, não sabes?

Sim, Filhote, sei que era um grande amigo teu.

Sinto-me tão triste. ELE não me ouviu, e eu falei com ELE todos os dias!

Sabes Filhote, ELE não cuida de nós individualmente, para ELE nós somos um todo, e o Todo que nós somos é um pedacito DELE.

É como o nosso coração. Ele bate e leva o sangue a todo o nosso corpo. Tem essa função. Também ele é um pedacito do Nosso Corpo. Nós não falamos com ele, nem ele fala connosco, mas está ali a bater sem descanso, para que possas viver. Ele bate, e não estás à espera que ele te pergunte se pode bater. Está ali, e isso te basta.

Também nós somos um pedacito DELE. Também nós, sabendo que somos parte dele o não questionamos. O que devemos questionar, é o que Ele quer de nós, e isso meu filhote não te sei responder, e a isso meu amor querido chamamos FÉ.

Papá, sinto-me tão pequeno. Dá-me um abraço forte. Quando me abraças é tudo tão Bonito!

7 de agosto de 2003

Quando nos pomos a revisitar os sentimentos

A olhar o mar e a sentir o Sol a penetrar o vazio, revisitei sentimentos.

Encontrei um conjunto de palavras dispersas recheadas de afectos.

Dei comigo a conjugar o verbo Dar.

Não posso negar que senti uma enorme solidão...

6 de agosto de 2003

Conjugar o verbo Existir

Procuro o verbo existir, e confundo-me nas conjugações.

O desenho toma forma, e dimensão, mas porquê e para quê?

Qual o sentido?

Qual a função?

Será que só o conjunto faz sentido?

Procuro na paisagem, de olhos postos em oração e não encontro cor.

Só oiço o mar, só vejo a gaivota, mas não sei para onde vão.



5 de agosto de 2003

À procura da nova descoberta

Hoje fugi com aquela certeza de alguém que se reencontra na Palavra do EU.

Fugi por aí à procura da Nova-Descoberta!

Por isso fui por aí (que me perdoe o Régio e o Cântico Negro).

Fui à procura do meu reflexo, verticalizado na minha própria imagem.

Por isso fui ao encontro da Multidão, à espera que os Olhos da Cidade me vissem.

Fui, e na ida até os passos eram Meus.

4 de agosto de 2003

As palavras que me desenham o EU

Estou sentado, rodeado de recordações e de páginas escritas com palavras que me desenham o EU.

Os traços variam entre a cor e o vazio.

Busco o sentido do traço como quem vê o desenho de uma criança.

No desenho está lá tudo; a casa, a árvore, o pai, a mãe, o irmão, a professora, o Sol, os pássaros e as nuvens.

Está tudo lá, falta a perspectiva.

A minha vida é isso mesmo!

Desenho sem ponto de fuga.

Está tudo lá, falta a poesia!

3 de agosto de 2003

Cegueira

A Vida é um conjunto de intersecções de ciclos “ Vida-Morte”, e este conjunto é UNO. O resto do Todo é uma repetição de ciclos que se atraem e repelem, que se amam e se odeiam. Por isso estamos condenados a instantes sucessivos de visão e de cegueira, por isso quando Vemos doem-nos os Olhos e queremos fecha-los e quando os fechamos, caímos e querermos Ver…

2 de agosto de 2003

A fuga do desenho

Hoje o desenho, fugiu-me.

Ando desencontrado com a cor.

É estranha esta sensação de vazio que nos enche de angústia...

Andei por aí a pintar palavras no ar.

De que nos vale a Vida se não a olharmos e a sorrimos em acto de aceitação do imprevisto?

A Vida entra-me pelos olhos e fica a martelar-me com imagens coloridas e desfocadas.

Sinto-me um buraco negro no Universo da Humanidade!!!

Tudo o que me entra na Alma, filtra-se e perde a LUZ e o brilho!

A luz anda a saltar de palavra em palavra e recolhe-se no meu espírito.

Quero fugir e por isso procuro-me e ando por aí dentro de mim como bailarina em caixa de música.

Vou pôr-me à procura do Sonho, para que o tempo avance e eu não dê conta do que estou a perder.

1 de agosto de 2003

O contorno da Alma

Burro! Três vezes Burro!Como te podes ver ao espelho sem te pores à frente Dele?Como te podes Ver ao espelho se vestes o teu eu-próprio de um outro ele-mesmo?Tudo o que podes ver, está longe de ser o contorno da tua Alma!