30 de novembro de 2004

como uma pedra escondida no Rio...

Sou o que me resta do sentir, um reflexo de mim mergulhado, quase pedra, em água de rio que se (des) ondula em aguarelas que se fingem cor, (des) centradas do existir...

29 de novembro de 2004

quando...

“Quando as aves morrerem, aprenderei a voar…”



Entrou um mim, sem aviso nem arauto, esta necessidade-vulcão, quase vida, de percorrer o espaço que se esconde no olhar, livre de passos, de caminho e de amarras.

Mas estou aqui.

Aqui, neste exacto instante, imóvel no Ser, preso no Eu, sem dar um passo, com o olhar enterrado, a desenhar o que sinto e não sei.

Preso, nos passos não dados, imutável na ausência a (des) sentir…

Resta-me tentar impedir que as aves morram e pedir-lhes que me levem o Olhar no seu voar, determinadas no ir…

27 de novembro de 2004

estante

Desenhei uma estante, esguia.

Escolhi o ponto de fuga, levemente ao centro. Traços verticais, primeiro (nada se faz sem arrimo, mesmo uma estante, esguia), depois os horizontes. Sete (é um gosto que tenho)! Uma estante com sete horizontes, portanto. Depois as janelas, (outro grado que tenho, poder espreitar e ver, mesmo que através de uma estante de sete horizontes). Finalmente os livros (é de livros a minha estante, outro prazer, meu). Livros, de histórias escritas, misturados por todos os horizontes, uns juntos aos prumos, outros, a desenharem janelas. Depois de tudo distribuído, tudo muito bem desenhado e colorido, sentei-me a imaginar os livros que ainda ali não estavam, e as histórias que a minha estante ainda tinha para contar.

Não cabiam.

Andavam a voar, aqui e ali, entre os horizontes, à procura das cores para se pintarem…

26 de novembro de 2004

significações abstractas do sentir

O amor é coisa simples, não é possuir ou ser possuído, é carinho, é beijo, suave, sem dor, não é verso, nem flor, é brisa que passa, que nos olha e nos transforma em cor.

Amor é coisa simples, é carícia, é palavra, é gesto, acto, apoio, não é meu, nem teu, é nosso.



Amor é sentir, que já não sou eu...

25 de novembro de 2004

vermelho, do meu...

Gosto do vermelho, mas não por inteiro.

Aliás não gosto de cores inteiras.

Quando misturado com amarelos mergulho no meu vermelho-campo-que-se-sente-mar-ao-fim-do-dia. Misturo os amarelos para lhe dar um matiz de luz-do-olhar.

É assim quase todos os dias.

Só quando me zango com o sentir, uso as cores vivas.

Com raiva e traços únicos.

Precisos.

Cheios de ir.

É nesses dias que uso vermelho. De sangue, do meu, que se dilui em sal-de-lágrima, mas só depois do desenho…

24 de novembro de 2004

escultor sem pedra

Agarrei numa lágrima, com todo o cuidado para a esculpir, queria dar-lhe outro sentir, mas era endiabrada, esta minha lágrima.

Sem me olhar escapou-me da mão, a fugir…

23 de novembro de 2004

folha de outono, em forma de palavra

Como uma folha de Outono, desceu suave.

Uma palavra.

Numa dança de cores, leve, lentamente leve.

Uma única palavra.

Simples.

Daquelas palavras que escondemos, não vá o uso desfazê-la.

Como uma folha de Outono, quente, desceu em forma de beijo e de abraço.

Veio.

Caída, em voo cantado.

Sem ventos.

Encantada, a desenhar um quase horizonte.

Não lhe pude fugir e sorri-me todo em tons de Outono, maravilhado…

naufrago

Sinto em mim um navegar sem sentido.

É um retrato em que me repito no dizer.

Sei que vou sem velas nem direcção. Só que hoje vou sem vontade nem ventos.

Estranho de mim.

Saí do retrato e da cor.

Uma espécie de sombra sépia que não devia ali estar, mas que se desfoca num riso louco, demente.

Sou uma quase ausência, deambulando no existir.

Gostava de ter outro em mim, menos triste, todo colorido de ondas-espuma-ao-por-do sol. Mas sou navegante sem barco, sem onda, nem vela.

Naufrago de mim, em galope torpe, em golpe de mar, sem fim…

22 de novembro de 2004

ecos que choram em desespero

Lembro-me de um dia ter gritado a quem me olhava cheio de interrogação e duvida, “ Não me inventem o Eu!”…

Hoje, grito-me com os mesmos sons, num repetir cheio de angustia e desespero, “ Não me inventem, deixem-me simplesmente ser Mar…”

21 de novembro de 2004

noite(s)

De noite transportamos os nossos vazios. Pesados, guardados no olhar.

Não os vemos, só os sentimos. Moldam-nos o dia que se esconde na fantasia de ser ainda, apenas um esboço.

Um dia pinto a noite. Preencho-a toda até transbordar, com as cores de um sonho que se desenhou de dia.

20 de novembro de 2004

pacto

Há sentires que não se escrevem, não por serem nossos, íntimos, mas porque não cabem num sinal, numa frase, num poema ou história.

Entram em nós e pedem-nos silêncio.

Ficamos reféns desse pacto e passeamo-nos com eles, com o olhar todo para diante, como um menino que passeia o seu balão, convencido que transporta uma estrela. A SUA estrela.

Hoje, sem dizer nada a ninguém, andei a passear com eles, todo cheio de sorrisos escondidos, não fossem eles assobiar e quebrar o silêncio…

19 de novembro de 2004

construtores de redes…

Sento-me num chão branco-sal a olhar os azuis entre redes por remendar.

Misturo-me nas cores de vidas-do-mar, em caminhos enrugados, de noites em branco, escuras de ventos, sozinhas no mar.

Pescam a vida sem horizontes, num horizonte, escuro de luar.

Olho os homens que se sentam, vergados, sem sonhos, a suturar malhas de ar.

Sonham lágrimas sem sal e que o mar os deixe sempre chegar.

Têm redes para remendar…



( numa rua de Sesimbra, em tempos já passados, trazidos num búzio que se fez ouvir baixinho, numa espécie de beijo escondido…)

18 de novembro de 2004

em viagem...

Tenho andado por aí, repisando os passos que dei, lento, de olhar todo posto em mim.

Só em mim, não vá desfocar-me.

Não que os outros e as cores que me envolvem tenham perdido importancia, mas porque preciso de acreditar-ME.

É vital para mim, saber o tom das cores em que me pinto.

Por muito sonhador que seja, preciso de não me duvidar, de não me trair.

É fase de puro egoismo viajante, uma espécie de tentativa de equilibrio, numa corda que balançou de mais e o corpo, os gestos e o olhar são obrigados a concentrar-se num unico ponto; o que estabiliza e equilibra, a corda e o corpo.

É esse caminho que percorro, passo a passo, sem tempo, de mim para mim.

Estou hoje mais sereno, porque me vi e revi no andar no fundo de um quadro, denso nas cores, mas aqui e ali vi-as.

Eram as minhas cores...

Inspirei no profundo de mim...

16 de novembro de 2004

hoje chamo-me zé

“ Vou viajar” gosto do sentir, mais do que as palavras que o transmitem.

Eu que ando sempre em viagem pelas cores, com palavras ou sem elas , viajo com o olhar para onde ele me leve.

O meu Hoje é diferente.

Pouco interessa o Hoje se o ontem foi tão escuro e denso.

Vou sem porto, nem rumo.

É o meu costume, só que Hoje vou sozinho, liberto de um Eu que me incomoda, vou em voo, sem gaivota…

Hoje chamo-me Zé...

15 de novembro de 2004

dor

Há palavras que beijam, outras que ferem.

Vezes, muitas, as mesmas, porque o que dói é o olhar...

É ele que as diz..


que as ouve...

que as sente...

Hoje não vou abrir os olhos, não vá cegar...

Há palavras assim, frias, secas que nos impede o navegar...

Hoje fui embora de mim, talvez volte, talvez não.

Talvez deite fora todas as palavras que me fazem confusão.

Se me restar alguma, talvez volte, ou não...


13 de novembro de 2004

tentativas desajeitadas, ou matemáticas absurdas do sentir…

Tentei desenhar o silêncio...

Não consegui, senão pintar a palavra amor…

( ou terá sido ao contrário? Não é relevante, são sentires distributivos)



Isto de pôr matemática no sentir e nas palavras é coisa que me acontece com raridade.

Deve ser falta do Mar. ( a) mar?



O melhor mesmo é ir vê-lo e mergulhar…

11 de novembro de 2004

o meu lápis, que nunca o foi...

No meio de uma escrita, que já não era minha, porque a pensava para outro, o meu lápis, o meu companheiro mágico, soltou um sussurro melodioso, terno, como quem abraça e disse-se assim, “ está na hora de ir…”

Olhei-o, sem perguntas.

Já estava à espera do momento.

Sabia-o, desde menino que aquele lápis, que renovava no mercado das cores mágicas, ao longo dos anos e do sentir, um dia, partiria sem explicações nem despedidas, simplesmente porque é mágico este meu lápis, sempre o foi…

Junta-me a essas palavras, embrulha-me nelas e põe-me a viajar…”

Olhei-o novamente, em voo no tempo numa revisita de sensações e de cores.

(É engraçado olhar para o meu lápis multicolor, cujo traço, bailava em tons nunca iguais, que me agarrava na mão e sonhava sozinho.)

Vezes muitas, desenhava-me um cavalo lindo e levava-me, de crina ao vento, em galope sem tempo nem destino, outras, mais raras, esboçava bailarina cigana, atrevida que me deleitava em prazeres exóticos e fantasias sem labirintos nem sombras.

Nunca o senti meu, apesar de ser o “meu lápis mágico”, porque sempre foi muito libertino.

Um dia, quando era só lágrima, descobri-lhe o querer: "semear uma suave serenidade em tons de felicidade…”

Pois que vá viajar…

Embrulhei-o nas palavras e voou-me.

Fiquei a ver, com um sorriso cúmplice, o meu lápis agricultor que semeia tons de cores que só ele sabe, a ir, cheio de irreverência...

Boa viagem…

10 de novembro de 2004

sabores. nossos. só nossos...

Zanguei-me com as palavras.

Andam a confundir-me.

Julgam-se senhoras do meu olhar.

Enganam-se, coitadas...

Há cores que não se escrevem nem se desenham. São só nossas e tem sabor a Universo...

Ficaram a olhar-me triste, em silencios que só elas sabem transmitir. Tenho vontade de as abraçar e de as juntar ao passeio de sentires que percorro sozinho envolto no meu silêncio, de mãos dadas com todas as palavras que não quero ouvir quando me passeio só com cores no Universo....

9 de novembro de 2004

desencontro de palavras. ou de sentires?

Vieram ter comigo duas palavras, "sonho" e "fantasia", muito zangadas comigo, quase enciumadas com o uso ou o desuso com que as pinto.

Sentei-as ao colo e esclareci-as, não fossem aparecer, atrevidas, em dizeres trocados e viverem sozinhas, sem orientação no meu sentir.

O "sonho" ( fitei com ternura a fantasia) é um desenho cheio de acreditar, doutra forma arrisca-se a confundir-se com a "fantasia" e torna-se inútil a sua existência.

Quando sonho, vejo todo um caminho à minha frente e ponho-me a escolher todas as cores com que o vou pintar.

A "fantasia" (virei-me lento, com carinho, para o "sonho" que impaciente me olhava cheio de interrogação), é só uma história que se conta para passar o tempo e divertir.

Ambas estão o meu sentir, só que uma é coisa séria, a outra é imaginação…

7 de novembro de 2004

à saida da floresta...

A floresta que me percorreu o olhar começou a chegar ao fim.

Entrelaçados, sonhos velhos, pintavam-se já de sombras sépia ( cor fora de propósito numa floresta de sonhos, de cristal, pensamos nós que não percebemos nada disto que se desenrola no olhar desse aí que escreve no meio de um sonho).

Como uma porta que se abre ao som de um vento-brisa, em cores de sol-rasteiro, uma enorme clareira.

Ao centro ( estranho este olhar, decidido de quem conta, nós aqui que observamos a cena, custa-nos imaginar um centro quando o espaço se perde no horizonte), uma cubata redonda, com tecto cone, em capim-torrado, sem paredes, apoiado em cinco pilares de madeira, quatro, pintados ás riscas zebra(em desenho de quadrado), e um ao centro, maior, imponente, em pau-ferro, feito mastro de navio gigante a apontar o céu…

Sentado, mimetisado na cor, estava um homem magro, quase osso, sem idade.

Entrei em passos sem sons e sentei-me de fronte, a olhar os olhos que se sugavam de luz, mas que se sentiam vivos, fortes, como o mastro sem vela que apontava o céu.

Sem vento nem mistério perdi-me no tempo, porque me vi menino, naquele mesmo espaço, perante aquele mesmo homem, intemporal ( ele e eu, numa fusão de sentires, inexplicavelmente nossos).

Vindos do olhar senti percorrer o corpo até à alma uma tranquila serenidade.

Minha, não dele.

Ela, sussurrou-me, num prazer leve, quase sorriso” Não, não é magia, nem mistério. Quando se leva nos passos a procura, o inevitável é defrontarmo-nos perante a descoberta, mas quando é a fuga que nos movimenta os passos, tudo se esconde nas sombras e até o olhar se transforma em medos…

Por isso estás sereno, perante o que procuras…


5 de novembro de 2004

Floresta(s)

Entrei numa floresta de sonhos.

Floresta de cristal (não que um sonho, ou muitos juntos sejam transparentes, pintam-se de muitas cores).

Sonhos de outros, meus também.

Só todos eram COR, por isso me perdi neles (ou na COR, não sei…), transformado em folha solta que paira de árvore em árvore sem tocar o chão. De reflexos.

Rubros, uns, violeta-água, outros.

Frescos, de cristal…

Tenho que aprender a andar nesta floresta (de sonhos, não é demais sublinhar), sem pisar nenhum dos passos, não vá a COR fugir e quebrar-se em lágrima

4 de novembro de 2004

caroço de laranja

Hoje senti-me laranja.

Espremida.

Livro, sem letras, nem palavras, nem desenho.

Oco.

Negro.

Esquecido do olhar, dos sinais que me envolvem o ser.

Hoje não caminhei.

Andei sem passos, sem tempo nem cor.

Esvaí, gota a gota o sumo da alma que me habita o eu.

Ficaram as sementes, caroços largados por aí, sedentos de terra.



Hoje, quando o sol estiver laranja, vou PLANTAR-ME!

3 de novembro de 2004

tambores

Oiço batuques ao longe, em danças de vento que me sopram cicios de África.

Vêem em gritos de chuva, num toque, toque baço, ritmado em galope de Impala.

Navego em barco-à-vela-de-capulana num cinzento que se pinta em tempestade. Cheiro, a terra quente, que cavalgo em pacaça-alada, deselegante, pesada.

Confundo-me, difuso, na savana de terras-sangue, em letras-palavras que me levam a liberdade.

Estou sem conto, num encanto a um canto, perdido entre ventos e vontades que cantam, ao som do batuque, num toque, toque, a galope, num golpe de asa que me foge, em cartas abertas, sem olhares, nem envelope…

2 de novembro de 2004

Interiorizações para as quais não se pensam explicações…

Não é um nada, muito menos um vazio, é coisa estranha que se encontra entre o olhar e o sentir.

Movimenta-se, insinua-se numa permanência suave que aquece, mas inibe a imaginação.

Não lhe sei corpo, nem cor.

Visita-me em abraços que se sentem na fantasia de um conto sem história ( não há história quando não existe caminho).

Andei por aí com uma presença translúcida de mim, em conversa sossegada sem olhar o Tempo. Tinha-o, todo meu…

Quando mergulho d’alma neste Mundo bizarro, sem caminhos, que me fala, só o Tempo é meu, o mais de mim foge-me e leva-me com o olhar…

Detive-me num muro que se erguia alto-céu e percebi-me anão-formiga, num labirinto que se passeava no meu caminho a fingir-se destino.

Pintei-o todo de castalheiro-velho-a-brilhar-Outonos e subi-o…