31 de julho de 2003

Fuga

A Humanidade está lá fora!

O problema da Humanidade é que cada um sente a sua vida individualmente.

O problema é que cada um foge da Humanidade!

Quando fujo da Humanidade, perco-me na Multidão!

É impossível ouvir o vento no meio da multidão.

É preciso estarmos Sós para nos movermos na Humanidade!

30 de julho de 2003

Oração

A minha oração é uma permanente pergunta, e um escutar não tão permanente como desejaria.

29 de julho de 2003

Maldito miúdo...

Bateram à porta.

Abri. Era um miúdo com a cara suja, manchada de lágrimas secas.

- Anda comigo - disse o menino.

Levei a mão ao bolso e dei-lhe uma moeda.

O menino olhou-me angustiado.

- Anda, vem comigo! - repetiu.

Fechei-lhe a porta. Senti-me mal. A angústia dos seus olhos entrou no meu corpo.

Fui fazer um café, comi pão e fiquei mal disposto.

Devia ter ido com ele!

O que seria que ele me queria?

Tinha ar de quem se perdeu.

Estava tão aflito.

E eu, armado em burguês estúpido, dei-lhe uma moeda, para que ele se afastasse e deixasse de me incomodar. O que é certo é que ele se foi embora e deixou-me vazio e indisposto.

Senti-me a lágrima seca do mendigo.

Reabri a porta! A rua estava deserta, nem um cão, nem um carro, nem o menino, apenas rua sem fim.

Apeteceu-me outro pão. Fui comer. Senti-me ainda pior.

Deitei-me, liguei o rádio …” quem vir um rapaz de cabelo preto, olhos castanhos, calções vermelhos e camisa azul, é favor contactar para o número de telefone 33544678. O rapaz é perigoso, tendo fugido há dez anos de casa de seus pais. Dado que só agora comunicaram o seu desaparecimento é possível que já não vista as mesmas roupas…”

Desliguei o rádio e saltei da cama.

Fui à janela, desci as escadas e abri a porta. Nada!

Sim, era ele!

Sim, tinha os calções vermelhos!

Sim, a camisa azul!~~Mas o rapaz não pode ser o mesmo que me bateu à porta! Aquele que me entrou nos olhos não devia ter mais do que dez anos.

No entanto…curiosa coincidência, tinha os calções vermelhos, cabelo preto e olhos sujos.

Sim, não lhe vi os olhos!

Só lhe vi as lágrimas, e as lágrimas eram castanhas!

Tentei telefonar para o número indicado mas ninguém atendeu!

Saí de casa e fui por aí à procura do menino!

A rua continuava deserta. Era meio-dia e a luz estava cor de pôr-do-sol, e já se notava a Lua.

Teria adormecido?

Teria sonhado?

Estava a ficar louco!!

Olhei o relógio da igreja. Meio-dia e um quarto!Voltei para casa. Tive medo de andar na rua. Não podia deixar de ter medo de andar na rua ao meio dia com uma luz de pôr-do-sol!Quando era pequeno, punha-me a pintar com cores do por do sol. Sentava-me na secretária e entrava no mundo dos “ Raios-do-pôr-do-sol” e punha-me a desenhar mundos, espaços e cores. Mas estava sentado e era eu que comandava o sonho, o desenho e as imagens. Agora era diferente. Agora tinha aberto a porta e tive medo de andar nos meus sonhos de menino!

Voltei a abrir a porta.

Estava um lindo sol de meio dia, e as pessoas andavam apressadas como quem quer chegar rápido a casa para tomar um refresco de Verão e almoçar!

Devo de facto ter adormecido!

O melhor é mesmo ir tomar um bom banho para refrescar a cabeça.

Maldito miúdo.

28 de julho de 2003

A vida e a localização do ponto

O Ponto está no acaso.

O Ponto é o Tempo-Espaço onde o Futuro acontece no Presente.

É tudo uma consequência do Ponto, e a vida não é mais do que uma conjugação de Pontos sucessivos.

O nosso caminho é apenas a linha do Passado.

O Ponto, é onde se cruza a dimensão existencial do Ser!

Quando se consegue partir deste princípio, tudo nos parece belo.

Se seguirmos a perspectiva do Ponto e olharmos a Vida, não deixamos de encontrar todos os Pontos comuns que criaram os instantes.

O nosso próprio nascimento, não passou de um acaso.

Se assim não fosse, não seriam necessários um batalhão de seres minusculos a precipitarem-se, em óvulo feminino!

Bastaria UM, directo e incisivo!

Mas não!

É preciso a intersecção de inúmeros acasos, para que o Ponto exista!

No meio de tantos Pontos, cada um contém o seu ponto de vista.

Cada um é ponto de partida e de chegada, mas em cada instante, apenas um nos pertence, e esse é sempre o mais Belo!

27 de julho de 2003

A palavra nova...

Tenho andado a querer ser as palavras de ontem, as apalavras que Me eram o EU.

Hoje, sinto que posso criar a palavra Nova, sem angustia e sem imitação de sons.

O importante já não são os caminhos!

O caminho está tomado!Agora o urgente é dar cores ao Caminho!

É bom saborear a verdade, é como beber um copo de água sem sede!

A água fica no palato, sem sabor, sem meio termo.

Nua e crua!

26 de julho de 2003

As viagens valem pelo sonho

Sonho cada rosto que me envolve, cada vida que me acompanha.

Em cada uma desenho pinceladas de realidade, mas a maior parte delas são traços, rostos que me emprestam o seu corpo, onde lhes entrelaço uma vida própria.

Parto dos rostos para o sonho e do sonho para a realidade.A ponte está nos meus olhos.

A ponte é a vivencia no meu próprio sonho.

É como pintar uma paisagem cheia de luz num dia de nevoeiro.

Como é excitante comparar o que se pintou, depois do sol entrar na visão da própria paisagem!

Quais os traços que pertencem à paisagem?

Quase nenhum!

Mas o quadro existe!

Está ali até o rasgarmos!

A paisagem também!

Aquela, e a outra por trás do nevoeiro!

Qual é a real?

Qual a mais bela?

Minha, só a que tenho nos olhos e no quadro!

A mais bela, a que andou entre um e outro e não ficou em nenhum!

25 de julho de 2003

O desencontro da partilha

Ao trocamos o nosso modo de ver com alguém, lançamos um olhar que quando interiorizado, se torna parte do outro. A partilha surge, quando o olhar do outro se torna sentimento, nosso e de todos! O nosso Eu-Próprio é um filtro que provoca constantes desencontros, por isso há desenho, sem traço, sem cor e sem imagem do Todo, que somos em cada um que nos toca o EU.

24 de julho de 2003

O desenho da palavra

Os caminhos estão aí, como quem foge da solidão de si mesmo. A direcção e o sentido convergem no ponto, que traduz o sentimento atraves da palavra. O antes e depois juntam-se no pensamento envolto em fumo de nicotina, como quem se refugia no vazio de si.

23 de julho de 2003

Fixar a imagem...

Insisto no caminho que os olhos me dizem. Os passos confundem-se com a intersecção dos pontos que me localizam no presente. Cada avanço, recuo ou hesitação desenha o destino e a transformação do universo. O universo transforma-se em cada intersecção dos pontos de cada caminhante. Somos assim responsáveis pelo pulsar do universo, mas o melhor é nem pensar nisso...fechar os olhos e reinventar o desenho de nós proprios, com lápis e borracha, não vá o desenho fixar a imagem distorcida do sentimento de se ser poeta sem papel para registar o acto ...

22 de julho de 2003

O reino do HOMOSAPIENS-SAPIENS do século XXI

Estou de facto a ficar velho, não tanto um velho do Restelo, mas sim um resistente quase militante ás novas formas de comunicação, que invadem o quotidiano poético de quem gosta de ver o que as palavras nos dizem, com imagens que nos retiram a gustação de reinventarmos a imagem através dos sentidos que as palavras escritas nos permitem, pintando as nossas próprias cores. Sim eu sei que o período é longo, confuso, com várias leituras, com várias perspectivas, com sentido ou sem sentido algum, mas traduz o que uma fotografia, ou uma palavra amputada ( estilo agora é ke é, ou kando mandei aKilo), são incapazes de revelar.Isto para dizer que ultimamente recebo quantidades imensuráveis de e-mails com fotografias de todos os feitios possíveis e impossíveis , das mais diversas proveniências (amigos, conhecidos, desconhecidos e entes queridos), que me tem deixado gradualmente, velho, rabugento e amargurado.

Eu, que sou um dislexo nato e que durante toda a minha sofrida instrução tive que estender a mão para solenemente, de olhos baixos, sentir a dor de uma reguada por cada palavra que escrevia ao sabor do som dela mesma ( cosinha, lasso, caza, baloisso, etc, etc), sou invadido por trejeitos linguísticos que leio e releio à procura do som que emitem para lhes tomar o sentido, quase me apetece desabafar com um "porra que não aguento tanto ruído !"Mas pior que as palavras sonoras, são mesmo as imagens. Não tanto a imagem em sim, mas o acto de comunicar com imagens. Limita-me o sonho, (mesmo que elas próprias já traduzam o sonho de alguém), limita-me o acto de desenhar o ver , pois sou condicionado, como quem entra num túnel e só espera ver uma luzinha lá bem à frente no meio da escuridão .

Desculpem o desabafo, escrito e sentido de uma só vez, assim tal qual saiu do sonho de pensar as palavras, que nos traduzem o sentimento, impulso cada vez mais raro neste HOMOSAPIENS-SAPIENS do século XXI.