30 de junho de 2006

na luz da noite

Tenho saudade* dos céus** iluminados pelas estrelas, no hoje que me cerca a noite, iluminam-se de cidades…

* só há uma saudade, e é cousa que nunca é pequena
* * não há um céu, há um em cada esquina do olhar

29 de junho de 2006

ainda, a repetida sombra...

A imagem que se reflecte no espelho, não (te) tem ( na ) sombra…
Só (te) existes (completo, No UM) com a sombra que se desenha no Eu…

In “ Apontamentos para um manual da serenidade “ ou como o importante, é o que se vê (sente), entre a Alma e o Corpo, e não se desenha na imagem!

28 de junho de 2006

no acontecer

De que te vale encontrares o caminho, se não o percorreres?
Só gravando-o (com os passos), te perdes e re-encontras…
É no re-encontro que cresces e caminhas…

In “ apontamentos para um manual da serenidade” ou como o importante para que aconteça o Ponto, é IR

27 de junho de 2006

(re) visitas

Fui a tua casa(*), Entrei, Sem bater.
Procurei-te, No silêncio,
de te Saber.
Encontrei-te, No silêncio,
de estares, Só, Imóvel, De cor, Na cor, De parede, Na parede…
Olhei-te, No silêncio,
de te Ser.
Sempre que te visito
e
reencontro, Respiro-te, Bebo-te, Na imaginação dos passos que deste sem mim.
Fui a tua casa, Entrei, como quem entra na escola com o olhar todo por preencher.
Respiro-te, Inspiro-me com se os olhos fossem pulmões…
Entrei, Sem bater, Só, para te ouvir ( Mestre **), Nas surdinas da cor.

(*) Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão / Fundação Caluste Gulbenkian
(**) Mestre José de Almada Negreiros

26 de junho de 2006

o navegante

Vou desenhar um quadro…
A dois terços da tela ( alta, de verticalidade gótica ), Um cavalo-proa, Belo, Em linhas continuas, Minhas…
Ao fundo, Velas ( muitas,
desencontradas)…
A rasgar o horizonte, entre os mastros de caravelas, Uma lança ( sangue-prata), Erguida, Alada…
Em planos outros ( que é cubista, O quadro,
não o artista, que é cousa outra, Indefinida), Um Quixote, Sentado, Curvado, Sem Elmo…

Cores?
Do sol, De sangue
e
amarelos!

22 de junho de 2006

de novo, a sombra

Peguei de leve a linha (azul) do horizonte…Enlacei-a em agulha-prata
e
cosi-me ( ponto-por-ponto) na minha sombra…Alinhavei-me no destino
e
fiquei a vê-la, vela
(presa de mim)
Enfunada de ventos…
(mastro de caravela
sem sentidos…)

21 de junho de 2006

surrealismos por pintar, de uma viagem ao fundo, para de lá do centro

Passeei-me de chapéu-de-chuva, Preto, Erguido ao céu, Vertical, De fraque-pinguim e chapéu de coco.
Passeei-me, Todo, Negro de sombra. Levei-me nos passos, Na areia-oiro-de-sal ( ao sol ) para pintar de azuis as ondas-espuma, do mar (mas só as que mordem
e
morrem nas falésias
a
fingirem-se gigantes
).
Lá,
no fundo
do fundo,
(mas ainda no imediato do centro),
como quem foge da alma e do espaço,
desenhei UMA gaivota, Branca. Pintei-a com (in)TENSIDADE ( como quem cria A única gaivota, Que existe no olhar do Mar, Branca.)
No fim, já para de lá do Fundo, fechei o chapéu-de-chuva, Erguido à terra, Vertical, como quem procura o centro que se esqueceu no olhar…

20 de junho de 2006

em-pedra

Não é ilusão isto que sinto,
é pedra oca,
verdade que minto
[por vezes
( ah,
ignoro-me
e
perco-me na soma das vezes!)
sou esta estátua de granito
tatuada na alma
que me envolve em labirinto]

19 de junho de 2006

memórias do tempo

Abri,
em menino ( escondido no mistério da descoberta) a caixa do tempo !
Fiquei desapontado! Quase indignado (ao ponto de lhe perder o respeito e o sentido)...
Afinal,
o tempo,
não passava de um amontoado de rodas dentadas que gemiam (ordenadas), em equilíbrios instáveis, empurradas por fio fino em caracol, (cabelo corda desenrolado) em ritmos presos de instantes…
O tempo,
era ( para o menino que abrira prevenido de curiosidade, caixa tão irresistível de se olhar) instável como a vida, bastando um pequeno nada, na fina corda de um cabelo, para desexistir num nada…

( há na vida, segredos que não devem ser descobertos por meninos, mesmo que escondidos em caixas irresistiveis de se olhar...)

16 de junho de 2006

os olhos do céu


(fotografia de Patricia Sucena de Almeida)

O céu deitou-se, coberto de nuvens,
Morto (cansado?) de azuis…
O Sol e a lua, são os olhos do céu…
É quando ele os fecha, (dorme e sossega), que me existo na inquietação de sonhar…

14 de junho de 2006

ainda a cegeira escura que navega no (des)VER

Entrei numa Nau que rangia medos,
sem vela
nem ventos…
Quem a leva são os gritos,
os sonhos,
os mitos…
Caravela-caverna,
escura
cega,
dos olhos que fogem,
sem luz,
aflitos..

Construí um castelo,
no mar,
sem ameias nem muros,
( só de gaivotas,
a voar)…

São gritos de criança-fome,
almas esquecidas
a chorar,
que navegam perdidas
na dor do destino
que lhes suga o ar…

13 de junho de 2006

com as mãos...dadas? fechadas?

Desenhei um vitral
(em)
Vidro-cristal,
de olhos cegos,
(fechados)...
Com as mãos,
pintei
pétalas-finas
de esperança,
mural-de-criança
em oração…

12 de junho de 2006

sons

A guitarra chora,
lágrimas a um Sol-menor que dança na sombra dos dedos, a musica que desfaço, no ar
e
no aço…

9 de junho de 2006

de cal? de sal?

Peguei numa lágrima ( habito meu)
qualquer,
caída
sozinha,
(de menino que não sabia brincar)…
Trazia ondas,
do céu,
do rio ,
do mar,
caiada..
(lágrima é cousa séria…é o coração a falar…)
Fiquei a ouvi-la
não fosse a lágrima perder-se
no ar…

8 de junho de 2006

o peso de uma pequena palavra

Há palavras que me entram na boca e se colam no olhar…
Fixou-se uma, em menino com a forma de “ UM “ e perdi-me no infinito…
É ela que me brilha ( ainda ) nas cores e nos passos...

6 de junho de 2006

criar

Não tenhas a ambição de ser original, basta que O sejas em Ti, ( desde que Te copies! SEMPRE!)…
In “ apontamentos para um manual da serenidade “ ou como para criar o NOVO basta ser autêntico!
ou
Simplesmente ser…NATUREZA ( já olhaste o quanto Ela é original na Cópia do UM?)

5 de junho de 2006

bailarino-palhaço

Danço,

(como as árvores presas no vento…)
Sou a minha própria farsa,
presa nas raízes…

Danço,
só,
poeira-de-sol-poente…
(brisa que sente o azul do mar…)

Semente!
(que voa
sem lar! )

Danço,
só,
sem coreografia,
nem movimento…

Danço,
sem alento,
no desenho-Vivo,
entre-vidros-e-cimento,
(bailarino-oco,
Morto!)
em cenário humano,
louco!

2 de junho de 2006

aguarela

Pintei Mulher.
Negra.
Não por ser mulher,
ou
negra.
Por ser Ela!
(Borboleta encantada
transformada
em aguarela!)

1 de junho de 2006

porque me incomoda, porque me grito, repito-me...

Escrito a 5 de janeiro de 2006, seculo XXI...
Hoje repito-me, e repito-me, e repito-me num ciclo sem fim, como se as lágriams secas de dor o não tivessem nunca, repito-me na procura do fim...

Procurei um lugar para escrever palavras engasgadas.
Procurei de passos lentos na cidade grande, um lugar. Procurei raízes, minhas para me libertar das letras e da humanidade. Fui de sentido, nos passos que me dei, ao Miradouro de S. Pedro de Alcântara. Queria horizonte pintado de telhados,
de cidade,
de casas,
porque debaixo de cada um dos telhados vermelhos, vivem pedaços da humanidade, e é ela que me incomoda, que me pesa nas palavras.
Fui de passos meus, mas estava em obras. O lugar, O jardim, O horizonte, É natural. Tudo está em obras. Até a humanidade, é obra-fechada-ausente-de-olhares.
Desci a rua da Trindade, ainda por entre raízes, minhas, à procura de horizontes. Espreitei o Tejo, mas acabei os passos na Brasileira. Sinto-me bem junto de poetas-fantasma, sobretudo quando sinto todo o peso da humanidade nas letras que se soltam quase-rio.
O sol está frio. Ainda bem. Preciso de frio, não vá o senti transmutar-se em lágrima, ou grito. Assim, finjo-me fantasma, forma neutra de estar na vida. Um quase-não-estar, é como estou hoje. Estou preenchido com-um-não-estar-inteiro-no-eu.
Quero escrever…sobre África.
Não sei razão porque evoco sempre Africa quando sinto a humanidade inteira na minha indignação.
Procuro as palavras, como garimpeiro.
Procuro as palavras que se embrulham em grasnares-de-aflição, em rugidos surdos, em turbilhão .
(estou rodeado de estranhos que se falam todas as línguas, menos a de Pessoa, mas é ele que os junta. Isto nada tem a ver com o sentido do escrito, só com o local. São palavras outras que soam entre sabores de café. São no fundo intervalos do sentir. Palavras que se escapam, para me iludir…)
Procuro palavras. Uma só palavra. Uma palavra-rolha que solte tudo o que me pesa…
Olho à volta…vejo pombas ( pombas da cidade, são coisa outra. Também elas perderam o horizonte) e olhos. Muitos ( uns e outros, esvoaçam em passos, no chão…sem voares, deve ser do peso…da humanidade em cada uma delas).
Distraio-me. Olho mulher de meia-idade que me fixa a escrita. Tem olhos de mar e cabelo-névoa. Acaricia um livro-fechado.
Afinal não me fixa.
Está ausente.vagabunda-de-aventuras, ou, como eu, na meia-idade, procura palavras. dela…

O dia está frio. ainda bem.
Volto a África e vez outra me perco. Não consigo pensar em País algum quando me encontro com África. Visualizo um continente inteiro.
Um só.
Talvez por ser berço do Homem. Por isso quando A penso, quando A olho com o sentir, junto-me a toda a humanidade.
Quero falar de solidariedade. É esse o meu grito.
Quero falar de imagens. Das imagens que nos entram casa-dentro e que nos comovem…lembro o tsunami a entrar todo ele na sala quente, de um Natal outro. Lembro imagens atrás de imagens, dias após dia. Lembro a humanidade inteira a mobilizar-se para ajudar, naqueles dias, os dias das imagens. Lembro o Ocidente incomodado pelas suas mortes no Oriente. Relatos e mais relatos…todos com os olhos para diante, em lágrimas. Depois destas, vieram outras imagens. Estas foram, como vieram. Outras entraram, de França, de uma França em tumulto, de uma humanidade de subúrbios em alarme.
Anos após ano inundam-nos lágrimas de imagens.
Consumimos imagens, consumimos sentires, guardamos gritos, guardamos lágrimas. Reagimos e (des) agimos ao sabor das imagens que nos marionetam a solidariedade.
Só existe o instante de cada imagem, doseada a contento e dirigida a contento, instantes após instante. Depois tudo se esquece, se apaga, como se o Mundo se estagnasse, se suspendesse. À espera das próximas imagens.
Lembro, Terramoto no Irão, Furacão Katrina, e tantas outras catástrofes que nos mobilizaram o sentir e os actos solidários. Em lentidão de consciência, agimos, com lágrimas, (des) agimos nos gestos , quais marionetas de teatro ao som de imagens, ao som de placas que nos induzem o sentir;
“CHOREM!” e choramos!
“Riam!” e rimos!
“Aplaudir agora!” e aplaudimos, frenéticos do existir…
Está frio! Ainda bem.
O sol está frio, como eu, como as pessoas que me passam ao lado, esquecidas do Natal, do Katrina, das imagens…
E as outras imagens?
As que não vimos?
As que já vimos e já não mostram?
Onde se esconde esse sentir?
Esse agir?
A fome continua ali no Uganda, no Senegal, em Moçambique, nos pingos de África que já não choram.
Ela ali está! Fria! Presente! Os dias todos, dias após dia. Mas os meninos que choram são todos iguais, tão iguais que se confundem nas imagens. Imagens iguais cansam, não se vêem, Não nos solidarizam!
Somos mais facilmente tocados por uma catástrofe natural do que por aquela que nós próprios provocamos, com os nossos actos e com a nossa indiferença…
Não sei em que sociedade vivo!
Não sei que sociedade crio!
Não sei em que sociedade me existo!
Sou,
eu,
também mais um que se comove com as imagens, mas que me deito e me durmo, como tudo se passasse nas imagens de um teatro humano.
Hoje grito no meu silêncio, porque também eu, carrego hoje, todo o peso da humanidade, como se não lhe pertencesse na DOR!
Está frio! Ainda bem! Não fora o Tejo que se esconde ao fundo ( e que não me é imagem agora) e diria que nele correm todas as minhas lágrimas que se engasgaram neste frio-de-inverno-de-uma-humanidade-que-já-não-grita!
Procuro palavras. Não sei palavras. Muito menos poesia! Apenas oiço em ecos a voz do poeta-inconformado ( fantasma ou não)…
Eu, apenas escrevo mais uma página, deste meu diário, deste meu sentir partilhado, que rasgo de mim e o esvoaço ....



É PRECISO AVISAR TODA A GENTE
DAR NOTICIA, INFORMAR, PREVENIR
QUE POR CADA FLOR ESTRANGULADA
HÁ MILHÕES DE SEMENTES A FLORIR.



É PRECISO AVISAR TODA A GENTE
SEGREGAR A PALAVRA E A SENHA
ENGROSSAR A VERDADE CORRENTE
DE UMA FORÇA QUE NADA DETENHA




É PRECISO AVISAR TODA A GENTE
QUE HÁ FOGO NO MEIO DA FLORESTA
E QUE OS MORTOS APONTAM EM FRENTE
O CAMINHO DA ESPERANÇA QUE RESTA






É PRECISO AVISAR TODA A GENTE
TRANSMITINDO ESTE MORSE DE DORES
É PRECISO, IMPERIOSO E URGENTE
MAIS FLORES, MAIS FLORES, MAIS FLORES.


( poema de João Apolinário e fotografias de Sebastião Salgado)


Tu, que leste, e de alguma forma sentiste o grito seco que não se solta da alma, passa por aqui, ou por outro lado qualquer, mas actua! VIVE a tua Humanidade e GRITA!

(em) sombra

Não tenho (em mim) dragões,
demónios,
fadas
ou
feiticeiras,
Só a sombra desenha o fantasma que me persegue,
tolo,
empoleirado no abismo que não Vê…
Cego da noite,
só eu me desfaço,
desfumo,
inteiro nos olhos e no destino,
em que me fantasio,
pedaço nocturno
de mim…